Monday, April 19, 2010

A Microeletrônica das Marcas (reloaded)
Marcas são formas de contar histórias e dar informações.



Estava observando o caminhar ritmado de uma gigantesca multidão na Avenida Paulista quando me invadiu uma angústia: Será que minha individualidade existe no meio de tanta gente?

Comecei a olhar ao redor enquanto centenas de pessoas anônimas passavam por mim, invisível a elas no meu próprio anonimato. Eu, por ter sido invadido por um lampejo acidental de consciência, procurava notá-las. Eu não podia acessá-las, ainda que estivessem todas ao meu redor.

O ser humano vive sob alguns medos primitivos da formação do nosso psiquismo. Um deles: o medo de aniquilação. Sim, o medo de sermos aniquilados é um dos medos primitivos segundo as teorias psicanalíticas. Temos medo de deixar de existir.

O que isto tem a ver com as marcas? Muito.

Marcas são formas de contar histórias e dar informações. São etiquetas informativas, cujas informações são dadas ao longo do tempo. É um pequeno significante que representa um complexo significado. Marketeiros atrás de cada marca buscam dar a uma marca melhor e maior capacidade de armazenamento de significados. Somos como cientistas da microeletrônica tentando aumentar e melhorar constantemente a capacidade de armazenamento de um chip. Fazemos o mesmo com uma marca. Queremos que ela seja capaz de dizer cada vez mais , enquanto tentamos fazer cabê-la em tudo, em cada pequeno espaço.

Cada marca tem sua forma de trabalhar, tem sua história e sua promessa de futuro. É isto que as pessoas olham. No final, nosso apego às marcas é absolutamente subjetivo.

Temos poucas oportunidades de conversar profundamente com alguéme dizer quem somos, no que acreditamos e o que queremos fazer. Contar quem somos nós é uma necessidade de nossa existência para sentir que somos alguém. È uma necessidade psíquica frente ao medo de aniquilação. Ao medo de desaparecer em um mundo onde há cada vez menos tempo para dizermos quem somos. Queremos pertencer a um grupo, ou vários que nos ajudem a sentir que existimos e que somos parte de algo. É normal, natural e saudável. Nossa individualidade não se constrói naquilo que só nós fazemos, mas sim no cruzamento entre todos nossos grupos de pertença. Eu sou eu de maneira singular, pois somente eu pertenço a todos estes grupos.

Nossos chips mercadológicos, as marcas, entram aí para cumprir seu papel. Ao carregar uma marca tenho a possibilidade de contar quem sou. Contar com a ajuda de dinheiro e tempo investido naquela marca para armazenar informações que, agora, estão à minha disposição. Ao exibir uma marca na minha roupa ou na minha comida, pego emprestado informações e valores dessa marca que passam a contar também sobre quem sou eu. Ajudam a apaziguar meu medo de desaparecer e de não ser ninguém, porque me ajudam a contar sobre os grupos a que pertenço e o que eu penso. Uma marca, cada vez mais, é um poderoso chip de informações que são transferidas para quem a usa.

Tamanha é a quantidade de informações que um chip, digo, uma marca, armazena hoje em dia que não se pode dar ao luxo de carregar informações dissonantes. Incoerência é um veneno para uma marca. As pessoas contam com a marca para representar sua existência qualitativa neste mundo de angústias. Quando uma marca é incoerente com suas posturas está traindo seus consumidores em suas necessidades mais íntimas. É uma traição imperdoável.

Por fim, marketeiros: Sejamos responsáveis em nosso papel de construir e manter marcas. Sejamos coerentes e cobremos, nós também, das empresas nas quais trabalhamos, para que sejam coerentes em suas posturas e ações. Cobremos de todos os envolvidos na vida de uma marca, que sejam verdadeiros e responsáveis. Conscientes da importância do que fazem, que vai muito além de vender mais. Resgatemos sempre a relevância que nosso papel pode ter no mundo, pois o mundo precisa de atuações relevantes e nós... Nós também precisamos, para que possamos também apaziguar nosso medo de desaparecer na existência fútil.

(este artigo em sua versão original foi publicado na Revista da EXPM – 2009)

2 comments:

Anonymous said...

Vários minutos de atenção foram dedicados a degustar a idéia exposta acima. Instigante, no mínimo.
Sabe, ao ler fui relacionando com os meus (e nossos) gritos tão frequentes e necessários de "Eu existo!".
Eu trabalho com moda e estou no segundo ano de psicologia (a cara do post, rs) E uso "marcas" (como todo mundo) pra me titular e divulgar esse rótulo que eu mesmo escolhi (ou o sistema social me "obrigou" a agarrá-lo né, vai saber)para o mundo... num desespero existencial de me colocar como algo...alguém que tem caracteristicas e precisa mostrar, precisa que o mundo tenho noção da minha existência e de quem eu sou pra que eu de fato exista. Negócio doido esse.
Estou o tempo todo enfeitando minha alma para trazer ao externo o que acho que quero que os outros vejam de mim. Depois de conhecer e admirar a história de Chanel , uso um de seus perfumes e me sinto um reinventor de estilos, de vida e de ideal, uma liberdade que o rótulo daquele nome (e o que o nome representa) me traz fragmentos da personagem que quero "existir" no mundo.
Engraçado... será que exalando as marcas estamos entregando pedaços do que somos ou escondendo...sendo enganados por afetos que essas marcas acabam preenchendo nas nossas angustiantes lacunas de "quem sou eu"...
Tenho medo de pensar em ser um boneco cheio de etiquetas que mascaram algum suposto "eu" que está afogado em algum lugar.
E eu ainda gosto tanto de psicologia humanista... Será que de fato tenho uma essência guardada que possa me aproximar de mim mesmo? Será que tenho um "quem sou eu" sufocado? ou será que o que acho que me sufoca é o que sou...
Achar que se é uma máscara e que o melhor está guardado pode ser reconfortante... o que assusta é pensar que podemos não ser nada além da própria suposta máscara.
O que eu uso... os rótulos que me dou... as pistas de "quem sou eu" que vivo querendo derramar no mundo.. ai ai. essa junção de gritos existenciais e manifestações de afetos em cima de afetos. As vezes parece assustador "ser". (acho que o medo maior, como dito no post, é "não ser...")

Parabéns pelo post, E parabéns pelo livro. Ambos incríveis.

Marcio Svartman said...

Rodrigo,
Obrigado pelo Post. A tomá-lo como base estou eu curioso pra ler mais o que vc escreve. De qualquer forma, este teu emaranhado de perguntas é profundo, pois nasce da essência quesionadora do ser humano. Acho que escolher aceitar um "quem sou" definitivo é uma opção. Nela também reside facetas escondidas de nós mesmos. Seguir buscado estas respostas é outro caminho, mais duro, mas creio que mais enriquecedor. Mas as respostas definitivas são inatingíveis, pois a vida, por fim, é a busca deste tal "eu". A vida é tentar entender quem somos, cutindo o prazer de cada pequeno pedaço da descoberta. Dê uma lida no texto A Complexa Simplicidade do Ser, no www.itu.com.br/marciosvartman
Um grande abraço e luz na sua busca!