Tuesday, April 20, 2010

Meu avô era um caipira importado
homenagem ao meu avô Abrão Svartman

(este texto foi escrito no dia 21de abril de 2008)


Meu avô era um caipira. Caipira da cidade, destes que destoam da correria ao seu redor. Desses cheios de histórias pra contar, que raramente abrem a boca pra contar uma dessas muitas histórias. Meu avô era desses, que mandam o filho pra São Paulo, pra estudar medicina. Mas quando meu pai foi estudar nos Estados Unidos e trouxe camisas novas pra ele - a última moda - ele nunca usou porque elas tinham as mangas curtas. Ele só usava camisas de manga comprida, calça social meio surrada, um sapato social que era sempre coberto por uma galocha de borracha caso o céu ameaçasse chuva. Galocha dessas que cobrem os sapatos, dessas que criança nenhuma sabe mais o que é. Dessas que não devem mais existir faz uns dez anos. Camisas com bolso pra poder deixar seu pentezinho de tartaruga marrom que ele usava dezenas de vezes por dia pra pentear o cabelo, que desde que me lembro já não era muito. Era vaidoso nos seus caprichos. Como o chapéu de festa, guardado na caixa com todo o cuidado. Chapéu que ele deixava que eu olhasse, mas não que eu vestisse. Tinha de me contentar com o seu chapéu de dia-a-dia: cinza com o forro vermelho. Fantástico. Era um chapéu de mafioso, mas não era do poderoso chefão como o chapéu de festa. Esse sim era um belo chapéu! Mas meu avô não levava jeito pra mafioso. Era bonzinho. Era como meu pai: Destes tão bonzinhos que passam a vida fingindo serem bravos, com medo de que alguém os passe pra trás. Destes que fazem uma cara feia, mas tem doçura nos olhos e o coração de mel. Eu e meu irmão passávamos tardes deliciosas na casa dele. Quando passávamos do limite, ele abria o cinto, fingindo que iria tirá-lo pra nos dar uma surra e fazia uma das suas caras de mau. Mas o cinto nunca saiu das passadeiras e meu avô nunca me encostou a mão, a não ser pra fazer um curativo na primeira picada de abelha que tomei na vida. Foi na estação de metrô, num dos muitos passeios que fazia com ele pela cidade. Ele fez um torniquete com o lenço de pano que levava sempre no bolso. Hoje eu sei que o torniquete não ajuda nada. Era só um cuidado. De estação em estação ele me mostrou São Paulo e me ensinou a gostar do metrô que pra mim vai ser sempre uma lembrança do Zeide Abrão. Zeide quer dizer Avô em idish. A língua que meus avós falavam, e era assim que eu o chamava: Zeide Abrão.

Meu avô nasceu na Bessarábia. Estes lugares que a gente, depois de ir pra escola a vida toda, ainda não sabe bem aonde fica. Eu sei que era na Romênia, mas não é mais. Hoje acho que fica na Rússia. Fugiu da pobreza, antes da guerra. Andou pelo interior com meu bisavô, comprando e vendendo ouro e jóias. Desta época sobrou uns pedaços de metal e um revolver com o cabo de madrepérola, que sem munição e enferrujado virou brinquedo na minha infância, junto com o chapéu, é claro. O chapéu já se foi, o revolver mora em uma gaveta na casa dos meus pais. Quando meu pai nasceu, mudaram pra Ouro Fino, no interior de Minas Gerais. Faziam o que dava pra viver e lá, meu avô virou o “turco”. Ele não era turco, mas era assim que chamavam ele. Quando eu o conheci ele já não era mais o turco, era o Zeide Abrão. Aliás, foi no dia em que eu nasci que ele virou Zeide Abrão. Agora, não consigo ver uma bala dadinho, daquelas de amendoim, sem lembrar dele. Ele nunca chegou na nossa casa sem uma balinha pra cada um: Eu, meu irmão e a Dini, nossa cachorrinha. Sentava no sofá e picava o fumo de corda que enrolava na palha de milho. Fazia meu pai trazer palha de milho da fazenda pra ele fumar o seu cigarrinho. Eu ainda tenho o canivete que ele usava pra picar o fumo e esticar a palha. Meu irmão mais novo não o conheceu, mas tem o nome dele em hebraico. Homenagem mais do que justa. Outro dia, de repente, lembrei-me dele. Tive saudades como ainda tenho muitas vezes... Percebi há pouco que este dia era o aniversário dele. Ele já se foi há muito tempo, mas é incrível com ainda é presente. Ficou. Ficou em mim.


Marcio

3 comments:

JANE said...

Adorei tdo q vc falou de seu:Zeide Abrão,muito lindo,vou mostrar para o Roberto.Tenho certeza q ele vai chorar.E PARABÉNS A ZEIDE ABRÃO ,AONDE ESTIVER!!!!!!!!!!!!!!!!BEIJOS MILLLLLLLL

Ana Wants Revenge said...

bom de ler... :)
esses dias tambem andei lembrando do doce de leite que minha vó fazia na casa dela e me dava um pouquinho em uma cumbuquinha, escondido de minha mae pq era antes do almoco. tambem virou post.
beeeijo
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Marcio Svartman said...

Cada comentário gostoso. Aniversário do meu avô e eu tbém ganhei presentes. Obrigado