Friday, October 15, 2010


Tchau babe...
A minha avó, Babe Golda, tornou a vida cheia de sentimentos.
Sempre a chamei de babe, avó em idish. Isso rendeu uma terrível frustração à minha prima, que um dia chegou em casa vinda da escola, quase chorando por constatar que somente ela, de toda a sua classe, não tinha avó. Desde que nasci, eu também não tive uma “vó”. Tive babes. A babe Feige e a babe Golda.
A babe Golda não foi sempre uma pessoa fácil, mas foi sempre uma pessoa especial.
Nasceu na Polônia, em 1915, e ainda jovem chegou ao Brasil. Estudou, trabalhou, aprendeu português com perfeição e ingles pra falar com os irmãos que, ao deixarem a Europa, tiveram os estados Unidos como destino e, portanto, fizeram metade de nossa família, americanos.
Da habilidade em costurar criou com meu avô, uma bela empresa. Criou seus três filhos, conheceu seus dez netos e teve em seu colo 13 bisnetos. Babou em cada um deles. Foi o centro da família em tantos momentos, contou sua história, contou nossa história, abriu conosco bagagens de nossa família que só ela poderia nos ter mostrado. Umas belas, outras feias.
Se fascinou com os computadores que permitiam ver a família espalhada pelo mundo, falar com eles, escutar. Antes, não deixou jamais de escrever para todos, manter suas amizades, manter a família conectada. E, há 12 anos, quando declarou uma das milhares de vezes que já estava na hora de morrer, aceitou a proposta de uma sobrinha-neta e trocou a morte por escrever a história da família. Escreveu página e páginas de lembranças, festas, dificuldades, pobreza, alegria, conquistas e intrigas. Escreveu nossa história.
Fez trocas como esta muitas vezes. De meus 37 anos, 30 passei escutando dela e dos médicos, que minha babe Golda iria morrer em breve. Teimosa como poucos podem imaginar, ela viveu. Lúcida, presente, culta, atualizada e, como disse meu primo: moderna. Soube como ninguém observar e aceitar as mudanças do mundo. Foi uma das primeiras mulheres do Brasil a tirar uma carteira de motorista. Levou os filhos e netos pra cima e pra baixo.
Minha babe Golda tinha o dom de estar no centro. Esteve no centro da família, de festas, de histórias, de corações,…de intrigas e brigas. Muitas. 
Ela quiz fazer o celegial na Polônia, o que era ousado, e fez. Estudou e guardou seus cadernos até hoje. Assistiu brigas tristes em nossa família e soube sobreviver a elas. Foi generosa e foi egoista. Foi amorosa e malvada. Foi lider e foi observadora. Foi comunista, revolucionária e tradicionalista.
A babe Golda soube ser uma antítese. Tornou minha vida mais interessante, rica, profunda. É impossível descrevê-la de forma simples. Ela jamais conheceu a idéia de simples. Ela era o mais absoluto símbolo da tragicômica mãe judia que deixa os filhos neuróticos numa constante pulsação de queixas e elogios que não permite, jamais, a absoluta paz de espírito ou a completa desistência. Nos ultimos anos, tornou-se cada vez mais doce, cada vez mais próxima. A cada vez que a via, embrulhava meus rosto com as mão e me dava beijos, em series de dez pra não perder a oportunidade. Fazia isso com todos ultimamente.
Na infância, morava em uma casa de barro, e brincava na neve esperando congelar o rio para brincarem com trenós. Na juventude mudou de país, de continente. Encontrou uma terra nova que fez a sua terra, e nos ensinou a amar este país. Ela se dizia brasileira, amava ser brasileira e amava o Brasil. O lugar onde trabalhou duro, ganhou uma moeda, conheceu seu marido, vindo também da Polônia. Juntos, ganharam mais moedas, tiveram filhos, sobrinhos, amigos, netos, bisnetos…
Babe Golda morreu, foi em paz. Descansou. Estava querendo descansar, eu acho. Uma saga linda e intensa, de 95 anos de amor, dor, alegria, sofrimento, ódio, admiração, carinho, desprezo, encontros, desencontros, frustrações, surpresas, ilusões, reclamações, elogios, conversas, silêncios, gritos, intrigas, brigas, amizades, comemorações, risadas, projetos, hospitais, festas, uns que foram, outros chegaram, força, fragiligades, medos, construções, ensinamentos, nascimentos, mudanças,… saudades.
Saudades.

Golda Wolak Szewc, a babe Golde, nasceu na Polônia em 1915 e faleceu em São Paulo, enquanto dormia na madrugada do dia 13 de outubro de 2010, 16 dias antes de completar 95 anos pelo calendário gregoriano, mas 12 dias após completar 95 anos pelo calendário lunar judaico. Ela nasceu em Sichat Torá, dia em que comemoramos o recebimento da Torá, o livro que nos guia pela vida. Dia em que Deus nos dá presentes especiais.

Thursday, October 07, 2010

Sustentabilidade numa sociedade de consumo. Dá?

Publicado no www.itu.com.br : Quinta-feira, 30 de setembro de 2010

Ando próximo de vários movimentos de sustentabilidade corporativa.

Há algo em tudo isso que me preocupa entre as eventuais alegrias de ver uma ou outra coisa muito bem feita, apoiadas ou até estruturadas pelas empresas.

São alguns paradoxos que não consegui resolver, e dizem respeito principalmente às relações e ao planeta.

Vivemos em uma sociedade essencialmente corporativa, onde o poder das corporações é crescente e o seu foco é absolutamente claro: maximizar lucros. Isso é assim, pois o sistema foi contruído para isso. Qualquer pessoa, em uma grande corporação, que tentar afrontar isso será expelida pelo sistema. Independente do cargo ocupado. É a sociedade de consumo, dominada por grandes corporações, com poder imenso.

Agora, a maximização do lucro transforma cuidados com o meio ambiente em custo. Cuidados com os relacionamentos, e ética acima de preço, em custo também. O movimento de sustentabilidade tenta erguer em sua bandeira estes dois pilares, ao lado da sustentabilidade financeira de longo prazo. Modelos, como Ethos ou GRI, foram criados para parametrizar relatórios de Sustentabilidade nas empresas. Mas o que vejo é que as corporações aprendem a gerar seus relatórios, mas a cultura mantém áreas escuras que passam entre os dedos da sustentabilidade. É difícil que seja diferente, pois, em última instância, empresas tentarão incentivar o consumo. Quando todas assumirem algumas posturas básicas de sustentabilidade, pressionadas pelo mercado, isto deixará de ser um elemento diferenciador, e perderá sua força como diferencial competitivo. As empresas cessarão seus investimentos em sustentabilidade exatamente neste ponto. Assumo que isto representará uma melhora considerável, mas muito pequena frente ao tamanho da reversão que precisamos criar na questão ambiental. Há uma necesidade gigante de mudar radicalmente alguns valores em nossa cultura.

Por fim, exitem dois pontos principais que me fazem questionar o caminho que vamos seguindo. Primeiro, o paradoxo: Podemos criar uma sociedade que tenha a sustentabilidade realmente como um valor importante em uma sociedade de consumo dominada por grandes corporações?

Em segundo lugar: Se isto é possível de alguma forma – e não estou seguro de que seja – certamente deverá passar por uma atuação mais séria do Estado. Um Governo mais comprometido com a construção de um país exemplo em sustentabilidade é fundamental, e hoje isto efetivamnte não existe. O Capital ainda fala muito, mas muito, mais alto do que o problema ambiental e o problema da sustentabilidade da nossa vida neste planeta.