Pra Não Dizer Que Não Falei das Flores
emocionante profundo triste...
A entrevista de Geraldo Vandré exibida hoje (25 de setembro, 2010) na Globo News foi uma das coisas mais tocantes e tristes que assisti nos últimos tempos.
Uma alma rica, alegre, humanista e corajosa, foi esmigalhada pela vergonhosa, imoral e covarde máquina da repressão militar durante a ditadura que tivemos neste país nas décadas de 60 e 70.
Vandré articula sua fala com sabedoria e sensibilidade, mas com um psiquismo destruído que revela em suas entrelinhas um corpo agredido, machucado, mutilado. Vandré chegou a dizer que segue exilado, jamais voltou. Jamais pôde voltar, pois o homem que era foi destruído, junto com, como ele afirma, aqueles brasileiros idealistas que ainda acreditavam no cenário político.
Vandré foi parte da trilha sonora de minha infância e foi ao som de suas canções que meus pais me ensinaram o que é liberdade, democracia, idealismo. Ao vê-lo nesta entrevista, primeira à TV desde seu exílio. Sofri entre lágrimas a pobreza humana que vivemos.
Lamento discordar profundamente de Zé Ramalho, que há alguns anos declarou que Vandré está ótimo e produtivo. Discordo sutilmente da opinião dada pelo entrevistador que o entrevistou há algum tempo pro Cliquemusic, quando diz que ele está calmo e que "não pirou".
Vandré não "pirou", se por piração esperamos alguém dizendo frases sem sentido e andando pelado em praça pública, mas sua saúde mental é uma sombra que escurece sua mente machucada e assustada. Não dou muita atençao a classificações patológicas, mas, ao meu escutar e meu olhar não soa como bem, não soa como calmo e produtivo. Soam como a manifestação de um artista ao sofrimento tão profundo que ninguém poderia compreender e ele não aguentaria dividir.
Hoje temo por um país que reelege um governo que, a meu ver, se banha em um populismo puquíssimo democrático. Em respeito profundo a Geraldo Vandré não farei deste texto um manifesto político, mas um pedido por humanismo, seriedade, amor e construção conjunta. Nestes aspectos, nosso país vai de mal a pior, tomando rumos empobrecedores, Um pedido que faço apenas a Deus, evitando assim trazer a Vandré o universo político que ele, nitidamente doente, enfraquecido, moído, faz questão de manter fora de sua vida, provavelmente, por não poder jamais livrar-se das consequências de sua maravilhosa existência e seu encontro com o idealismo político e humano. Já que, no fundo, deveriam estes dois ser apenas um. Mas não são.
Poucas vezes vi um homem tão ressentido, magoado e sem forças de reagir. Um homem que criou para si um isolamento completo, talvez por não poder isolar-se de todos aqueles que estiveram em seu passado e que frequentam suas traumatizadas lembranças, que devem esconder-se do que lhe é consciente pra assombrar seu eu mais profundo.
No dia em que Vandré completou 75 anos ele foi deitar-se sozinho num quarto de hotel, e eu vou me deitar triste, com vergonha e com medo do que pode o ser humano desumanizado fazer com o outro.
...E pra não dizer que não falei das flores...
4 comments:
Marcio,tdo q vc diz de Vandré,eu senti a mesma coisa.Senti também MEDO,sim MEDO.Também muita tristeza.Eu e o Roberto assistimos com lágrimas nos olhos.Fui e sou uma admiradora de Vandré.Agora sou mais ainda!!!!!!!!! Como ele diz em uma de suas músicas:EU VOU LEVANDO A MINHA VIDA ENFIM,CANTANDO!!!!!!!!!!!Cante sim Vandré,cantaremos com vc!!!!!!!!
Olá. Vamos falar de flores? rs, gostaria de um presente neste meu aniversário que vem se aproximando...me dá um autógrafo no teu livro? rs, brincadeiras sérias a parte, tb andei pela PUC nas áreas psi da vida, tb trabalhei como mediadora de conflitos, e é por estas coisas em comum que queria trocar ideias contigo. Abçs.
Desta vez Vandré não falou de flores. Demonstrou dramaticamente que a alma humana, quando rica, assim como as flores, se tiver sua haste quebrada, morre. Longe de mim, considerá-lo morto. Vivíssimo, é símbolo de humanidade e coerência. Mas é impossível não ver, na sua postura, no seu olhar, que algo maravilhoso morreu dentro dele. Talvez, a alegria de viver...Mas ele ressussita para o mundo na reverência de todos nós que o amamos.
Má....assisti à entrevista e lendo seus comentários concordo com suas impressões e compartilhei dos mesmos sentimentos.....já havia alguns dias que eu via a chamada para o programa e fiquei surpreso: como assim, o Vandré? Ele apareceu? Obviamente, sem ser da área da psicologia, é nítido que ele exilou-se psiquicamente, pois os traumas que sofreu retiraram dele a capacidade de interagir socialmente, mas ao mesmo tempo ele se mostrou consciente de tudo o que o cerca e emitiu reflexões inteligentes sobre a sociedade. É como ele tivesse se retirado da sociedade para observá-la de fora....e sentir, "eu não faço parte disso"! Talvez seja uma experiência humana triste, ele em si mesmo, mas este tipo de quebra entre o indivíduo e a sociedade, não é incomum, é concreto, e é origem das mais diversas patologias, se assim podemos classificá-las.....Se por alguns instantes nos contaminamos, creio que a capacidade de superar esta dicotomia ou dialética seja um indicador de mais saúde do indivíduo, lato sensu. Acrônica e Atopicamente, ou Amundicamente (rs), a psiquê e o seu entorno social e natural estarão em conflito.....para mim, é a essência da existência e superar e não superar dá a tônica de nossa passagem pela vida......Abs Fazão
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