Monday, July 12, 2010

Estou com vergonha do lixeiro


Publicado na coluna do www.itu.com.br : Terça-feira, 27 de abril de 2010
não costumos postar aqui os artigos da coluna, mas este texto teve um índice altíssimos de leitura. Resolvi colocá-lo aqui também.

Hoje, em São Paulo, garis e lixeiros entraram em acordo e suspenderam a greve que estava marcada para começar nessa terça feira. Aceitaram o acordo proposto pelas empresas e ficaram com os 6,5% de reajuste proposto, contra os 8,71% pedidos. Lembrei que ontem à noite acordei com o barulho excessivo do caminhão de lixo. Na hora fiquei muito bravo. Pensei em formalizar uma reclamação. O barulho era mesmo absurdo.
Não sei porque, mas hoje, ao ver a notícia da greve me vi frente a frente com minha óbvia incoerência. Se ontem acordei com o barulho é porque algo foi pior que o habitual. O que tenho eu a dizer sobre os outros dias em que nada escuto. Vivo minha vida em minha confortável ilusão de equilíbrio e despejo os restos de minha folgada atividade no lixo. Tomo o cuidado mínimo de fazer uma coleta seletiva, mas me satisfaço com indiferença com o fato de que, no dia seguinte, milagrosamente o lixo terá ido embora. Nada de cascas de banana apodrecendo, comida velha juntando bichos, ou latas com resto de comida cheirando mal. Nem mesmo todo o trabalho que dá para reciclar o material que separei eu preciso ver.
Não acho que devamos começar a levar nosso próprio lixo ao aterro, pois para isto existem os profissionais. Pessoas devidamente equipadas, trabalhando para empresas devidamente preparadas para fazê-lo. Mas me dei conta que só percebo os queridos lixeiros quando me acordam no meio da noite ou quando atrapalham o trânsito em demasia. Andam em um caminhão gigante com luzes piscando e, ainda assim, conseguimos ignorá-los. Acho que jamais em minha vida dei bom dia, boa tarde ou mesmo agradeci a um lixeiro. Um dos nossos clientes é uma grande empresa que, entre outras coisas, trabalha com coleta de lixo. Soube que os lixeiros têm, em sua maioria, vergonha de sua profissão. Soube de um senhor que trabalha nisso há mais de dez anos e, feliz, conseguiu emprego para seu filho. O filho, após alguns meses, demitiu-se. Preferiu o desemprego. Me senti triste e envergonhado ao saber disso.
Como podemos, nós, deixar que se sintam assim? Humilhados? Justo eles que quase anjos são. Fazem desaparecer a nossa sujeira num piscar de olhos, correndo pendurados em seus caminhões e gritando sua eficiente comunicação. Sou tímido por natureza e por vezes pareço até mal educado. Mas minha timidez se torna, assim, um capricho que terei de superar, pois decidi que quero agradecer o meu lixeiro. Quero olhá-lo no olho e lidar com minha vergonha por, provavelmente, não ter jamais feito isto antes. É nossa sociedade que nos dissocializa.
Temos que mudar. Isto também é construir uma sociedade sustentável.

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