Friday, May 25, 2012


AJC Global Forum 2012
& a presença de Antônio Patriota
Meus pensamentos e preocupações sobre as reações às posições brasileiras. Conhecer a cultura e a história de cada país para entender como demandar e dialogar é fundamental.

 Acabo de retornar de Washington, onde participei do AJC Global Forum. Um evento dedicado à diplomacia internacional e os movimentos mais relevantes na atual geopolítica global.

Promovido pelo American Jewish Comitte, uma das maiores organizações americanas de diplomacia e lobby, atividade que é absolutamente regulamentada nos EUA,  o evento em muito extrapola questões relevantes apenas às comunidades judaicas, tendo como parceiros algumas das mais importantes corporações americanas, entidades de classe e as diversas comunidades e instituições. Como convidado de honra para a abertura oficial do encontro, frente a mais de 1.500 convidados de mais de cinqüenta diferentes países, autoridades de Estado de mais de dez diferentes nações, este ano o AJC trouxe Antônio Patriota. Ministro de Relações Exteriores do Brasil, que aceitou o convite para uma participação sincera e generosa.
Patriota subiu ao palco do evento sob fortes aplausos, acusando em público a presença de amigos de longa data na platéia, ao referir-se a alguns membros da liderança da comunidade judaica paulista, sentados, como estávamos, à primeira fila. Patriota, ao aceitar o convite, mostrou profundo respeito pelo AJC e, como não, à comunidade judaica brasileira, companheira na concretização deste convite. Como membro da nossa delegação, me senti honrado e emocionado ao ver o Brasil convidado a ocupar o palco neste espaço, que foi no ano passado divido por Madeleine Albright, ex Secretária de Estado dos EUA e Joschka Fischer, ex Ministro de Relações Exteriores da Alemanha. O Ministro sentou-se em sua cadeira para ser entrevistado pelo Presente executivo do AJC, David Harris. E sentou-se consciente de que seria recebido com perguntas difíceis sobre temas contundentes. E o foi.
O Ministro foi enfático em lembrar a posição brasileira enquanto parceiro de Israel. Destacou as boas relações comerciais, a convicção quanto ao direito de existência de Israel como Estado e relembrou o voto favorável do Brasil à criação do Estado, em seção presidida por Oswaldo Aranha, diplomata brasileiro.
Mencionou nominalmente a Diretora para America Latina do AJC como amiga de longa data, remontando desde quando foi, por mais de uma vez, Embaixador do Brasil na Capital americana.
Foi questionado também sobre o voto brasileiro, favorável à declaração unilateral do Estado palestino independente.  E defendeu este voto. Reforçou a tentativa brasileira de equilibrar posições e de tentar, com este voto, gerar movimento em um processo que se encontrava estagnado. Posição controversa, que nesta platéia provocou indignação.
O Ministro foi inquerido também sobre o posicionamento brasileiro frente ao Irã. Mantendo relações diplomáticos, tendo esboçado inclusive traços de disposição a uma amizade entre nações. O convite brasileiro ao Presidente Ahmadinejad, o incentivo às relações comerciais, e a ausência da voz brasileira a condenar no Foro internacional um regime ditatorial que declara a não aceitação à existência de Israel, demoniza publicamente os Estados Unidos e corrompe constantemente valores humanitários, ao menos como são vistos por nós. Mais uma vez defendeu uma posição branda e de aproximação. Explanou sobre a opção brasileira em manter relações, para poder assim discutir posições e opiniões. Influenciar mudanças como um amigo, ao invés de declara-se inimigo.
Após sua aplaudida presença, suas declarações foram massacradas. Fomos questionados de todos os lados sobre a posição brasileira, e na boca de grande parte do público, Patriota foi travestido quase de um inimigo, ainda que David Harris tenha destacado por vezes que o Brasil é uma nação amiga. Esta visão nebulosa é um erro grave e, para mim, perigoso! .
A tantos que manifestaram-se pelos corredores do evento, criticando a posição brasileira quanto a estes temas, escrevo este desabafo alerta. Me sinto impelido a escrever sobre isto, pois acho de extrema importância. Foço-o como brasileiro, como judeu e como um dos brasileiros ali sentados, recebido em jantares seguidos, primeiro na Residência Oficial do Embaixador, numa recepção calorosa e um diálogo franco com o Embaixador Mauro Vieira e sua equipe, e em seguida num jantar aberto e sem formalismos com o Ministro que esteve disposto a conversas francas e mesmo a criticas.
Deixe-me pontuar que sou um pacifista e um democrata convicto. Mas acredito também, que existam limites que demandem ações mais duras e posições mais contundentes. Não gosto da maneira como o Brasil trata de forma branda com o Irã. Na minha família convivi com vitimas do Holocausto, sobreviventes dos Campos, e convivo com vitimas das torturas realizadas no Brasil no Período da Ditadura, visto que venho de uma família com longa história de militância política de esquerda.  Não posso, de forma alguma, apoiar um país que insista num Estado ditatorial e que rejeite o direito de Israel à existência. Não me agrada a posição brasileira frente ao Irã e gostaria de ver o país assumir uma posição mais dura e contrária ao Governo iraniano, e que, definitivamente, abrisse mão da vergonhosa relação com Ahmadinejad, um Chefe de estado que nega publicamente a existência do Holocausto. Um bufão a favor do Caos.
Também sou a favor de uma Estado Palestino. Sou favorável como o é a maioria dos Israelenses. No entanto, sou contrário a uma declaração unilateral, que descarta o diálogo. A proposta de uma declaração unilateral interrompe o diálogo e cria a ilusão de que este não ocorre por Israel não querer. Uma forma perigosa de forjar a força verdades históricas questionáveis. Acima de tudo, acho que o voto brasileiro na questão foi ingênuo, definido por um entendimento superficial da questão. O Brasil, infelizmente, conhece a situação Israel-Palestina de forma superficial e passional, deixando-se levar por visões pouco amadurecidas do tema. Esta é, ao menos, minha opinião.
Por fim, eu gostaria que isto mudasse para que o voto brasileiro frente à questão israelense fosse decidido pela ponderação frente a cada questão, e não por uma pré-definição de Estado, que baseia um voto de grande importância em um conhecimento pouco aprofundado do tema. O Brasil votou de maneira favorável à criação do estado de Israel, sim. Isto me orgulha, mas muito me entristece que tenha sido este o último voto brasileiro favorável à Israel na ONU.
Dito isto, quero fazer meu mais importante grifo. O Brasil é uma democracia jovem, que vem batalhando com seus próprios desafios. Neste sentido acho que manifesta, sim, posições imaturas por vezes. Tenta ser amigo de todos e ainda manifesta resquícios que sobraram de uma esquerda passional e jovem demais, que carecia de maturidade em sua essência. Mas também é o pais que saiu de um Governo de direita militarizado e ditatorial e vem caminhando de forma maravilhosa para uma democracia sólida. É o país que recebeu meus avós e deu a eles a oportunidade de sobreviverem, constituírem uma família e seguirem sua vida como judeus. É uma país que tem posições que às vezes nos desagradam, mas é uma nação onde podemos manifestar nossa insatisfação com isso, como aqui faço. Isto tem muito valor. O Brasil tem posições que podem nos parecer ruins, e talvez sejam, mas é um pais onde o Ministro de Relações Exteriores aceita cruzar o mundo para sentar frente a esta platéia e dizer como pensa nossa nação. Ainda que nós, como brasileiro, e certamente muitos judeus americanos que lá conhecemos, preferíssem que ela fosse diferente. Falou coisas que agradou e coisas que desagradou. Nós, judeus brasileiros ou não, se tanto defendemos a democracia, vejamos também com bons olhos esta democracia jovem, que por vezes erra e ainda seguirá cometendo erros no caminho de seu amadurecimento. 
Com o tempo, talvez, nossa diplomacia e o Estado perceberão que precisa assumir algumas posições mais duras. Cabe também a nós cobrar isto e atuar na construção do nosso país e desta sociedade. Em última instancia, é uma democracia e somos parte da sociedade que constrói essas posições. Sigamos nos manifestando e chamando o diálogo. Bradando contra mentiras eventuais e incentivando a aproximação com Israel, para que o país possa, cada vez mais, conhecer o que é realmente a única Democracia do Oriente Médio. 
Mas não cometamos o terrível engano de classificar amigos como inimigos. 
Já temos inimigos demais para cometer este engano. O Brasil é uma nação democrática, onde nós somos cidadãos, parte da construção do pais. Brasileiros sem ressalvas.
Por fim, meus caros amigos, não creio que todos devam ser taxados de amigos ou inimigos. Há muito espaço entre as duas posições. Amigos não são apenas aqueles que fazem tudo da maneira como queremos. Amigos são aqueles que se mantém aberto a nos escutar, dispostos a mudar a partir desta troca, e preocupados com nossa existência.
Como judeu clamo a lembrança de tantos que sentiram-se indignados e decepcionados com algumas posturas manifestadas por Patriota: Lembremos o valor que tem aquilo a que nos habituamos. Que o Brasil é um pais onde judeus, árabes, muçulmanos, mulheres, negros, bahai são todos cidadãos livres com direitos iguais. E é um pais que não questiona, de forma alguma, o direito absoluto de Israel à existência. E é sim um pais que tende a buscar posições brandas, seja isto bom ou ruim, e às vezes acho que é muito ruim. Mas há que se entender como caminha esta nação, e cobrá-la como cidadãos para que amadureça em inúmeros aspectos e posições, mas não cobrá-la a que seja como são outras, pois isto ela não fará.

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