Pra Não Dizer que Não Falei das Flores
Uma leitura sobre a primavera árabe
Após tanto escutar sobre a primavera árabe, resolvi pensar um pouco sobre a primavera. Meu primeiro choque veio de uma experiência simples. Busquei a palavra na Internet, e imediatamente imagens maravilhosas de campos floridos e ensolarados apareceram em minha tela. Imagens bem diferentes das que tenho visto dos países árabes onde este movimento vem acontecendo.
A primavera é um movimento natural, que se espalha silencioso e nos surpreende com um dia bonito, com flores nascendo silenciosamente sob um sol ameno, provocando o canto dos passarinhos e a lenta exploração de pequenos animais que começam a deixar suas tocas. É a expressão da paz de espírito e da calma, presenteado a vida com mais vida e cores. É o final de uma época fria e escassa.
Me desculpem, mas vejo pouca primavera no que vem ocorrendo em diferentes países do Oriente Médio e Norte da África.
Percebo o nascer quase natural de um movimento que espalha-se como pólem. Mas acho que as flores coloridas demorarão mais a nascer. Acho que a sensação de paz e tranquilidade não virá com este florescer. A imagem primaveril é bela e inspiradora, mas para mim ela nasce do desejo, não da realidade.
As ditaduras são estruturas perversas, mas algumas delas, em sua perversidade encontram um delicado equilíbrio. Este equilíbrio, com o tempo, oferece pitadas de liberdade, que experimentadas, aumentam a fome dos que a experimentaram. Mas, sem ilusões, este regimes são autoritários, e reagirão, assim como o estão fazendo, duramente ao levantar de um grito de liberdade. A repressão é obviamente dura e sangrenta. O inverno não proibe a primavera de surgir e nem tenta impedi-la.
Mas se algo mais há de semelhante à primavera no que está acontecendo, é o fato de que isto é uma fase passageira na cíclica história do mundo. E, neste caso, a estação seguinte é um mistério.
A construção de uma democracia não é um processo fácil, muito menos um processo rápido. Uma democracia, para consolidar-se, demanda intituições idôneas e sólidas. Isto não existe em países que vivem há décadas sob regimes ditatoriais. Também há escassez de pessoas que lembrem-se e saibam como viver democraticamente. A tendência é reproduzir modelos ditatorias, sob estruturas baseadas em influências pessoais. Isto acontece por ser esta a referência que as pessoas conhecem. Pois lembrem-se que a população, em um regime ditatorial, não aprende na escola sobre a democracia, e muito menos, sobre como construí-la.
Uma democracia sem educação de qualidade pode constituir-se tão perversa quanto uma ditadura. Por vezes, ainda mais perigosa, uma vez que a escolha é dada na mão do povo. A população destes países teve a sua capacidade de escolha atrofiada e agredida ao longo dos anos. Ela foi enfraquecida de propósito e demorará a fortalecer-se novamente. Será, por um bom tempo, fraca e ineficiente.
No Brasil, vivemos um regime democrático há vinte e cinco anos, e ainda pagamos o preço em nossa democracia de décadas sob um regime ditatorial.
Não estou dizendo que vejo com maus olho este movimento e que aprovo as ditaduras. Pelo contrário. Perdi parte de minha família sob o regime Nazista e vivi minha infância sentindo pairar o receio de que a repressão bateria à porta, com uma família onde não faltam histórias de perseguidos e torturados. Fui até preso por dois dias no Egito por uma polícia acostumada a fazer o que bem entendesse sem prestar contas ao correto ou ao lógico.
Mas não compartilho a visão de que vive-se uma primavera florida nas ditaduras árabes. Acho que mudanças importantes e definitivas se iniciaram. Mas pela frente creio que ainda teremos um duro inverno, antes de que flores possam colorir os campos.
1 comment:
Ma, gostei, bem escrito, e da seu recado!
bjo
Any
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