Thursday, June 24, 2010

Resiliência Chorada
Lições do Caminho de Santiago de Compostella

Hoje estive lendo o Blog de um amigo, Guilherme Mazzola. Ele escreveu sobre algumas reflexões de quando fazia o Caminho de Santiago. Acabei, eu mesmo, lembrando de quando trilhei este caminho. Me dei conta de como as experiências da vida seguem à nossa disposição para virarem lições. Também hoje respondi a uma pessoa que me perguntava sobre a resiliência e me lembrei desta passagem. (na foto, no aeroporto preparando pra retornar ao Brasil, com a serenidade de quem entendeu que estamos sempre no caminho.)


Após dias de caminhada chegamos a um pequeno pueblito (vilarejo) no meio das montanhas da Espanha na região de Castilla e Leon. A caminhada até lá havia sido dura, com trechos de subida e de montanha. A Clô tinha os pés destruídos e já estava caminhando de sandálias, pois não consegui vestir as botas. Chegamos ao pueblito na hora da ciesta. Tudo fechado. A Clô mal conseguia dar um passo e nos pareceu impossível seguir. Eu estava cansado demais para conseguir manter a firmeza de espírito e me senti muito frustrado. Eu já havia caminhado horas com as duas mochilas para facilitar para ela nos trechos cheios de pedras e subidas. Percebemos que se não caminhássemos naquele dia por mais algumas horas chegaríamos um dia mais tarde e isto nos faria perder o avião de Santiago a Barcelona, onde eu queria visitar meus irmãos que estavam morando lá.

Discutimos um pouco e logo estávamos chorando. A mistura do cansaço da dor e da frustração foi explosiva. Ambos muito acostumados a caminhar. Jamais pensamos que poderíamos ter de desistir. O choro acalmou a alma e a pressa provocada pela aflição. Por fim, resolvemos seguir bem lentamente, pois sabíamos que havia um albergue de peregrinos cerca de seis quilômetros adiante. Seguimos lentamente, caminhando por uma velha estrada que seguia abaixo de uma nova e gigantesca rodovia. Caminhamos quase em silêncio.

O final da tarde foi brindado com nossa chegada a um albergue muito simples. Camas alinhadas no porão, numa vila que não chegava a ter dez casas. Uma delas fazia uma boa refeição peregrina, com sopa de lentilhas, pão e um belo vinho local. E ai?

E aí que desta vila não havia como pegar um ônibus ou trem para ir embora. Os próprios moradores, quando queriam sair de lá, eram obrigados a caminhar cerca de seis quilômetros até o pueblito que havíamos deixado pra trás. Lá, longe das alternativas, a decisão ficou distante. A pressão imposta pela possibilidade de seguir outro caminho sumiu. De lá, a única alternativa era caminhar. No dia seguinte, os pés começaram a melhorar. Dois dias depois a Clô já conseguia calçar suas botas e um dia depois já estávamos caminhando sem pressa e, ainda assim, cumprindo com facilidade uns 30 km por dia. Por fim, quando já estava em Barcelona, caminhando na praia com meus irmãos, percebi que um dia a mais ou a menos com eles não faria tanta diferença. Toda aquela pressão vinha de uma grande urgência emocional. De uma angústia interna que poderia ter transformado a encruzilhada no fim de uma grande realização. Ao longo do caminho percebi a inconsistência da pressa em nossa vida. O Caminho de Santiago revela em sua mágica a simplicidade deste fato.

A resiliência, descrita como “canalizar as energias das dificuldades para um desfecho construtivo”, passa por conseguir manter a calma. Conseguir entender o tamanho do problema em um contexto maior. No contexto da impermanência das coisas e da inconsistência da urgência. As empresas, tão afoitas para absorverem este contexto, o fazem seguindo na contramão, pois querem entender como fazer isto para não perderem tempo. É um paradoxo em si. Pof fim, digo mais: Se não houvéssemos chorado quando achamos que nossa jornada acabaria ali, não haveríamos liberado a angústia e permitido que a energia voltasse a fluir. Não teríamos achado a força pra continuar. E aí? Será que as empresas estão prontas pra dar espaço ao choro natural da vida?

No comments: