AJC Global Forum 2012
& a presença de Antônio Patriota
Meus pensamentos e preocupações sobre as reações às posições brasileiras. Conhecer a cultura e a história de cada país para entender como demandar e dialogar é fundamental.
Acabo de retornar de Washington, onde participei do AJC
Global Forum. Um evento dedicado à diplomacia
internacional e os movimentos mais relevantes na atual geopolítica global.
Promovido pelo American Jewish Comitte, uma das maiores organizações americanas
de diplomacia e lobby, atividade que é absolutamente regulamentada
nos EUA, o evento em muito extrapola questões
relevantes apenas às comunidades judaicas, tendo como
parceiros algumas das mais importantes corporações americanas, entidades de
classe e as diversas comunidades e instituições. Como convidado de honra
para a abertura oficial do encontro, frente a mais de 1.500 convidados de mais
de cinqüenta diferentes países, autoridades de Estado de mais de dez diferentes
nações, este ano o AJC trouxe Antônio Patriota. Ministro de Relações Exteriores
do Brasil, que aceitou o convite para uma participação sincera e generosa.
Patriota subiu ao palco do evento sob fortes aplausos,
acusando em público a presença de amigos de longa data na platéia, ao
referir-se a alguns membros da liderança da comunidade judaica paulista,
sentados, como estávamos, à primeira fila. Patriota, ao aceitar o convite,
mostrou profundo respeito pelo AJC e, como não, à comunidade judaica brasileira, companheira na concretização deste convite. Como membro da nossa delegação, me
senti honrado e emocionado ao ver o Brasil convidado a
ocupar o palco neste espaço, que foi no ano passado divido por Madeleine
Albright, ex Secretária de Estado dos EUA e Joschka
Fischer, ex Ministro de Relações Exteriores da Alemanha. O Ministro
sentou-se em sua cadeira para ser entrevistado pelo Presente executivo do AJC,
David Harris. E sentou-se consciente de que seria recebido com perguntas
difíceis sobre temas contundentes. E o foi.
O Ministro foi enfático em lembrar a posição brasileira
enquanto parceiro de Israel. Destacou as boas relações comerciais, a convicção
quanto ao direito de existência de Israel como Estado e relembrou o voto
favorável do Brasil à criação do Estado, em seção presidida por Oswaldo Aranha,
diplomata brasileiro.
Mencionou nominalmente a Diretora para America Latina do AJC
como amiga de longa data, remontando desde quando foi, por mais de uma vez,
Embaixador do Brasil na Capital americana.
Foi questionado também sobre o voto brasileiro, favorável à
declaração unilateral do Estado palestino independente. E defendeu este voto. Reforçou a
tentativa brasileira de equilibrar posições e de tentar, com este voto, gerar
movimento em um processo que se encontrava estagnado. Posição controversa, que
nesta platéia provocou indignação.
O Ministro foi inquerido também sobre o posicionamento
brasileiro frente ao Irã. Mantendo relações diplomáticos, tendo esboçado
inclusive traços de disposição a uma amizade entre nações. O convite brasileiro
ao Presidente Ahmadinejad, o incentivo às relações comerciais, e a ausência da
voz brasileira a condenar no Foro internacional um regime ditatorial que
declara a não aceitação à existência de Israel, demoniza publicamente os
Estados Unidos e corrompe constantemente valores humanitários, ao menos como
são vistos por nós. Mais uma vez defendeu uma posição branda e de aproximação.
Explanou sobre a opção brasileira em manter relações, para poder assim discutir
posições e opiniões. Influenciar mudanças como um amigo, ao invés de declara-se
inimigo.
Após sua aplaudida presença, suas declarações foram
massacradas. Fomos questionados de todos os lados sobre a posição brasileira, e
na boca de grande parte do público, Patriota foi travestido quase de um
inimigo, ainda que David Harris tenha destacado por vezes que o Brasil é uma nação amiga. Esta visão nebulosa é um erro grave e, para mim, perigoso! .
A tantos que manifestaram-se pelos corredores do
evento, criticando a posição brasileira quanto a estes temas, escrevo este
desabafo alerta. Me sinto impelido a escrever sobre isto, pois acho de extrema
importância. Foço-o como brasileiro, como judeu e como um
dos brasileiros ali sentados, recebido em jantares seguidos, primeiro na
Residência Oficial do Embaixador, numa recepção calorosa e um diálogo franco
com o Embaixador Mauro Vieira e sua equipe, e em seguida num jantar aberto e
sem formalismos com o Ministro que esteve disposto a conversas francas e mesmo
a criticas.
Deixe-me pontuar que sou um pacifista e um democrata
convicto. Mas acredito também, que existam limites que demandem ações mais duras e
posições mais contundentes. Não gosto da maneira como o
Brasil trata de forma branda com o Irã. Na minha família convivi com vitimas do
Holocausto, sobreviventes dos Campos, e convivo com vitimas das torturas realizadas no Brasil no
Período da Ditadura, visto que venho de uma família com longa história de militância política de esquerda. Não posso, de
forma alguma, apoiar um país que insista num Estado ditatorial e que rejeite o
direito de Israel à existência. Não me agrada a posição brasileira frente ao
Irã e gostaria de ver o país assumir uma posição mais dura e contrária ao
Governo iraniano, e que, definitivamente, abrisse mão da vergonhosa relação com
Ahmadinejad, um Chefe de estado que nega publicamente a existência do Holocausto. Um bufão a favor do Caos.
Também sou a favor de uma Estado Palestino. Sou favorável
como o é a maioria dos Israelenses. No entanto, sou contrário a uma declaração
unilateral, que descarta o diálogo. A proposta de uma declaração unilateral
interrompe o diálogo e cria a ilusão de que este não ocorre por Israel não
querer. Uma forma perigosa de forjar a força verdades históricas questionáveis.
Acima de tudo, acho que o voto brasileiro na questão foi ingênuo, definido por
um entendimento superficial da questão. O Brasil, infelizmente, conhece a
situação Israel-Palestina de forma superficial e passional, deixando-se levar por
visões pouco amadurecidas do tema. Esta é, ao menos, minha opinião.
Por fim, eu gostaria que isto mudasse para que o voto
brasileiro frente à questão israelense fosse decidido pela ponderação frente a
cada questão, e não por uma pré-definição de Estado, que baseia um voto de
grande importância em um conhecimento pouco aprofundado do tema. O Brasil votou
de maneira favorável à criação do estado de Israel, sim. Isto me orgulha, mas
muito me entristece que tenha sido este o último voto brasileiro favorável à
Israel na ONU.
Dito isto, quero fazer meu mais importante grifo. O Brasil é
uma democracia jovem, que vem batalhando com seus próprios desafios. Neste
sentido acho que manifesta, sim, posições imaturas por vezes. Tenta ser amigo
de todos e ainda manifesta resquícios que sobraram de uma esquerda passional e jovem demais,
que carecia de maturidade em sua essência. Mas também é o pais que saiu de um
Governo de direita militarizado e ditatorial e vem caminhando de forma
maravilhosa para uma democracia sólida. É o país que recebeu meus avós e deu a
eles a oportunidade de sobreviverem, constituírem uma família e seguirem sua
vida como judeus. É uma país que tem posições que às vezes nos desagradam, mas
é uma nação onde podemos manifestar nossa insatisfação com isso, como aqui
faço. Isto tem muito valor. O Brasil tem posições que podem nos parecer ruins,
e talvez sejam, mas é um pais onde o Ministro de Relações Exteriores aceita
cruzar o mundo para sentar frente a esta platéia e dizer como pensa nossa
nação. Ainda que nós, como brasileiro, e certamente muitos judeus americanos que lá conhecemos, preferíssem que ela fosse diferente. Falou
coisas que agradou e coisas que desagradou. Nós, judeus brasileiros ou não, se
tanto defendemos a democracia, vejamos também com bons olhos esta democracia
jovem, que por vezes erra e ainda seguirá cometendo erros no caminho de seu
amadurecimento.
Com o tempo, talvez, nossa diplomacia e o Estado perceberão
que precisa assumir algumas posições mais duras. Cabe também a nós cobrar isto e atuar na construção do nosso país e desta sociedade. Em última instancia, é uma
democracia e somos parte da sociedade que constrói essas posições. Sigamos nos
manifestando e chamando o diálogo. Bradando contra mentiras eventuais e
incentivando a aproximação com Israel, para que o país possa, cada vez mais,
conhecer o que é realmente a única Democracia do Oriente Médio.
Mas não
cometamos o terrível engano de classificar amigos como inimigos.
Já temos
inimigos demais para cometer este engano. O Brasil é uma nação democrática,
onde nós somos cidadãos, parte da construção do pais. Brasileiros sem
ressalvas.
Por fim, meus caros amigos, não creio que todos devam ser
taxados de amigos ou inimigos. Há muito espaço entre as duas posições. Amigos
não são apenas aqueles que fazem tudo da maneira como queremos. Amigos são aqueles
que se mantém aberto a nos escutar, dispostos a mudar a partir desta troca, e
preocupados com nossa existência.
Como judeu clamo a lembrança de tantos que sentiram-se
indignados e decepcionados com algumas posturas manifestadas por Patriota: Lembremos
o valor que tem aquilo a que nos habituamos. Que o Brasil é um pais onde judeus, árabes,
muçulmanos, mulheres, negros, bahai são todos cidadãos livres com direitos iguais. E é um pais que não questiona, de forma alguma, o direito absoluto de
Israel à existência. E é sim um pais que tende a buscar posições brandas, seja
isto bom ou ruim, e às vezes acho que é muito ruim. Mas há que se entender como caminha esta nação, e cobrá-la como cidadãos para
que amadureça em inúmeros aspectos e posições, mas não cobrá-la a que seja como
são outras, pois isto ela não fará.
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